quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A Lumber, o Contestado e a história do desmatamento da floresta de araucária(1911)

Esse artigo trata da história da maior madeireira da América Latina no início do século XX, a Southern Brazil Lumber and Colonization Company. A Lumber, como era chamada, foi fundada nos EUA e era uma empresa madeireira e colonizadora, subsidiária da empresa construtora da mais importante ferrovia do Sul do Brasil, a São Paulo – Rio Grande. A empresa instalou serrarias a partir de 1911 em área contestada entre os Estados do Paraná e Santa Catarina e também na região dos Campos Gerais do Paraná, na divisa com o Estado de São Paulo.
A serraria principal ficava na localidade de Três Barras, atual planalto norte de Santa Catarina, e dispunha de maquinário de alta tecnologia e trabalhadores especializados vindos diretamente dos EUA .Para suprir a grande capacidade produtiva dessa e das outras serrarias, a Lumber comprou uma série de fazendas cobertas de florestas de araucária, mas também habitadas por posseiros que viviam há anos na região. Juntamente com a chegada da ferrovia, essa situação favoreceu um processo de especulação de terras e disputas políticas entre coronéis e posseiros pobres pelo acesso a terra, o que favoreceu a Guerra do Contestado (1912-1916). A questão da Guerra do Contestado já foi abordada por uma série de trabalhos, mas a dimensão ambiental da atuação da Lumber não foi estudada até agora, pois além da atuação violenta contra os caboclos podemos afirmar que houve também uma atuação violenta da empresa contra as florestas de araucária da região.
      A história da Lumber no planalto sul-brasileiro está estreitamente ligada a construção da ferrovia São Paulo - Rio Grande, que ligaria Itararé (SP), passando pelo interior dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul até a cidade de Santa Maria (RS). Essa ferrovia significou a possibilidade de vastas regiões do interior dos Estados do sul, bem como Porto Alegre e Montevidéu terem uma conexão ferroviária com São Paulo e Rio de Janeiro. A ferrovia cortou extensas áreas coloniais do sul do Paraná e fomentou a colonização de vastas regiões "escassamente povoadas" do oeste de Santa Catarina, onde há poucos anos – até 1895 - essas terras estavam em disputa com a Argentina, na chamada questão de Palmas ou Missiones. (NODARI, 1999)
Um exemplo da capacidade industrial da Lumber pode ser encontrado nos dados de exportação de madeira para Buenos Aires no período anterior e posterior a instalação da Lumber no planalto Contestado. Em 1906 as vendas de madeira do estado do Paraná para Buenos Aires e Montevidéu, na época ainda bastante incipiente e cuja indústria madeireira era basicamente limitada aos arredores de Curitiba, somavam cerca de 60 mil tábuas de pinho e imbuia e cerca de 8 mil unidades de outros tipos de peças de madeira (vigas, dormentes, pranchões). Essa quantidade de madeira vendida era pequena se comparada aos dados de venda da Lumber para Buenos Aires e Montevidéu poucos anos depois, que alcançavam, tomando como base o ano de 1916 cerca de 15 milhões de pés. (34.950 m³).[8] (MARTINS, 1909, p.10; NOLTING, 1917, p.2)
Essa tendência de utilização da floresta para transformação em produtos madeireiros se intensifica justamente nesse momento, como podemos acompanhar pelos dados a seguir, o que também era viabilizado pela construção da ferrovia:
Exportação de pinho (1911-1967):
COMÉRCIO INTERNACIONAL
Exportação de Pinho do Brasil
Anos
Toneladas
1911
4.412
1912
3.736
1913
11.932
1914
5.809
1915
30.719
1916
71.126
1917
45.713
1918
152.021
1919
71.621
1920
84.885
Década de 1910
481.974
1921
72.036
1922
100.774
1923
143.243
1924
112.907
1925
95.844
1926
79.939
1927
88.791
Década de 1920
950.296
1937
205.262
Década de 1930
1.594.194
1947
476.412
Década de 1940
3.766.140
1957
769.416
1967
1.053.900 m³
Embora a exportação de pinho tenha freqüentes altos e baixos, devido principalmente a fatores cambiais, de superprodução ou de concorrência com madeiras de outros países, observa-se um espantoso crescimento a partir de 1915, e que tenderá a crescer mais e se manter em patamares elevados até as décadas de 1960 e 1970. Toda essa produção representou ainda por muitas décadas na economia do Paraná e de Santa Catarina o principal produto de exportação. Em nível nacional, a araucária representou também por muitas décadas, a principal madeira exportada pelo país. (HUECK, 1972) Se a ferrovia e o aparecimento dos caminhões (principalmente a partir da década de 1930) permitiram o desenvolvimento da indústria madeireira sulina, incluindo aí a Lumber, é preciso mencionar também que a capacidade limitada da quantidade de vagões que a empresa ferroviária fornecia, assim como as péssimas estradas de rodagem, tiveram um aspecto positivo, pois colocaram um freio ao ritmo do desmatamento, que poderia ter sido ainda mais intenso. Além do mais, se o ramal de São Francisco tivesse alcançado Foz do Iguaçu, margeando o curso desse mesmo rio, como se planejava inicialmente, as florestas de araucária do sudoeste do Paraná teriam se esgotado muito mais rapidamente, e talvez não existissem os remanescentes significativos que ainda persistem naquela região.

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