A Greve Académica de 1907 foi um dos acontecimentos sociais
e políticos que mais marcou o governo de João Franco, tendo origem num
incidente universitário, rapidamente se transformou num assunto de repercussões
nacionais. A contestação estudantil pretendia uma renovação pedagógica,
cultural, intelectual e política da Universidade de Coimbra, já há muito que
era desejada uma mudança nos métodos de ensino, do foro académico, da
burocracia universitária e do conservadorismo ideológico.
A Universidade tem sido um foco constante de agitação e
ainda hoje se vive na “ressaca” da greve de Abril de 1907. Bastou então que o
filho de um dos heróis do radicalismo, José Dias Ferreira, fosse reprovado nas
suas provas de doutoramento para que alguns estudantes e professores iniciassem
uma onda de protestos de evidente conteúdo político. Tanto entre o seu corpo
docente como entre a população estudantil, a Universidade reflecte pois as
divisões que atravessam a sociedade portuguesa. Mas, apesar do seu reduzido
número (à volta de três mil), não é fácil para uma parte crescente dos
estudantes (sobretudo de Direito) encontrar saídas profissionais, o que explica
também o acentuar da turbulência no mundo académico e a radicalização política
no seu interior. 1907 traduz o corolário da contestação académica contra o
sistema de ensino e o governo. Explode em Coimbra, com a greve dos estudantes,
mas rapidamente alastra a outras escolas do país, com destaque para Lisboa.
Transformada em causa nacional pelos republicanos, fracassa dias depois.As
universidades foram e continuam a ser formadoras das elites intelectuais e
políticas dos diferentes países, a Universidade de Coimbra ocupava a posição
cimeira dos estabelecimentos de ensino superior. A partir da década de 60 do
século XIX que se verificam tensões entre o espírito universitário retrógrado e
o espírito académico renovado, assim a Universidade de Coimbra tornou-se nestes
últimos anos de monarquia num “espaço de contestação e rebelião, um tempo de
aprendizagem revolucionária” (como afirma Manuel de Carvalho Prata na sua
dissertação de Doutoramento, A Academia de Coimbra (1880-1926). Verifica-se
cada vez mais um distanciamento entre a juventude estudantil e a própria
instituição, que estava imbuída num liberalismo conservador de uma monarquia
tradicionalista. Depois de na década de 70 terem existido as primeiras
manifestações públicas de estudantes republicanos, os anos 80 são marcados por
vários protestos estudantis contra o foro académico e em 1890 a Universidade
foi palco de patrióticos protestos antimonárquicos por ocasião do Ultimato. Nos
primeiros anos do século XX, anteriores à Greve de 1907, houve protestos em
1902 e 1903 contra a política religiosa de Hintze Ribeiro, o que levou à suspensão
dos trabalhos escolares após confrontos entre alunos e as forças policiais, em
que eram elaboradas cerradas críticas aos processos medievais da Universidade.
“Os académicos da Faculdade de Direito não protestam contra
os lentes, não são mesmo eles que consciente e deliberadamente protestam. Quem
protesta é o século XX, quem protesta é o século XIX, quem protesta é o último
quartel do século XVIII, quem protesta é o Direito moderno com todo o peso das
suas conquistas, contra a imobilização bissecular desse instituto, contra a sua
organização obsoleta, contra a tradição escolástica e medieval, que converteu o
corpo docente numa casta fechada (…) com dogmas doutrinários e preceitos
disciplinares absolutamente contrários ao espírito moderno, ao espírito de
livre exame, curioso, investigador, por vezes irreverente, mas essencialmente
renovador, que essa mocidade representa.”
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